Pequena burguesia

Vestia-se com uma velha e desajustada calça jeans e completava seu triste figurino com camisas de algodão, dessas que se encontram nas gôndolas de liquidação dos supermercados... Conseguira a muito custo frequentar o templo dos escribas modernos... Raspava as últimas migalhas do pão mofado do jantar, lamentava o pouco café da garrafa térmica... Dedicava às madrugadas à Atenas, Quando abria os olhos, pesava-lhe na consciência as horas de sono que lhe roubaram o saber... Vivia entre folhas de livros e anotações rápidas, Não podia deixar escapar a correta pronúncia daquele nome em latim ou de algum alfa perdido num tratado qualquer da Grécia Antiga... Tinha sérias dificuldades com o Latim ... Sempre recorria ao Vade Mecum da biblioteca pública... Folhas, folhas, folhas, folhas... Aquele maldito Latim queria obstruir-lhe o tão sonhado terno, a gravata elegante... Ei-lo aqui: o canudo! Esta beca que me torna parte do mundo civilizado, esse passaporte para a sociedade dos homens de trabalho nobre! Ah! O grande dia! -Mãe, como se coloca uma gravata? Chacoalhando orgulhosamente a chave do carro entra num Tribunal ... Dá ordens aos estagiários: - Ponha este processo na pasta ... Ao terminar seus elevados trabalhos no Tribunal, não percebe a presença diária de um mendigo ... Preocupa-se em encontrar os contatos do telefone celular e enviar SMS para amigos ... Procura o carro e por um instante assusta-lhe a suspeita de roubo, mas logo percebe seu carro, o mesmo que um dia observara da janela de um ônibus ... certamente não se lembra do ônibus... Nem das migalhas que catava no prato. -Agora sou pequeno burguês!

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