Aquém do tempo colonial...


Os irrefutáveis propósitos da nossa digna teledramaturgia sempre se resumiram a retratar de uma forma desastrosamente distorcida a sociedade da república dos paletós intocáveis. E devo dizer, que mais uma vez, acertou-se no caso do novo romance que será exibido no estéril horário das seis horas, após a irredutível série intitulada “Malhação”, esta, um vívido retrato do adolescente de classe média da nação tupiniquim, sempre envolvido naquilo que parecer ser sua sina: copiar o “style” dos “teens” da América de Paletó. Mas voltemos ao assunto de que se pretende tratar nessa crônica: o novo folhetim das seis. A TV mais popular dos paletós intocáveis parece ter cumprido à risca a cartilha hollywoodiana do Tio Sam, pois suas novelas repetem um mesmo esquema de enredo, onde se mudam apenas os nomes dos personagens.

Pelas imagens que vi na tevê, o romance Além do tempo, que carrega a dignidade de ser uma novela de época, e por isso pronta a escavar nosso triste passado o fará com os mesmos personagens de sempre. O epicentro da estória será uma enrascada trama de amor entre dois brancos, que deverão mover mundos e fundos, para que no infalível ‘’the end”, tudo termine na felicidade suprema do casal. No seu violento marketing novelesco não vi nenhum personagem negro, até agora, apenas se nos apresentaram condes, viscondes e uma desafortunada gata borralheira, todos irreprochavelmente brancos e de uma beleza física que não deve nada aos movie stars da América de Paletó. Mas tive um espasmo de alegria quando percebi que o ator que narrava o épico enredo do folhetim era negro. Um pálido consolo aos braços que moveram a economia colonial durante séculos a troco de chibatadas...Mas nos acostumamos a isso! É –nos impossível saber se há personagens negros, pois, certamente eles só aparecerão quando o nobre folhetim começar a ser exibido e fiquei sabendo que o dia será hoje. Mas uma coisa é sempre certa nessa nossa desventurosa teledramaturgia de época: que os personagens negros ocuparão espaços menos honrosos dentro da estória, se não criaram o escravinho apalermado que garantirá boas risadas como um contrapeso ao drama vivido pelo casal branco, certamente apanharam outros clichês como a escrava desejada por um senhor velho e libidinoso ou a escrava velha que faz doces e ainda tem o privilégio de poder dar pequenos conselhos ao sinhozinho ou a sinhazinha. O que podemos dar como certo é que Além do tempo é o típico folhetim de época da nossa querida Tevê do plim plim.O galã loiro, altivo e de irreversíveis cabelos lisos que carrega todas as virtudes de um cavaleiro medieval deverá mesmo ser um de nossos heróis por alguns meses e a bela plebeia que disputará as artérias e veias de seu bondoso coração a nossa heroína, como se a história do povo brasileiro pudesse ser resumida numa versão desgastada e corroída da peça Romeu e Julieta. Eis aí a grande mérito do próximo folhetim das seis: copiar a peça mais popular do grande dramaturgo moderno de todos os tempos!

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