A ilha


Uma figura de aspecto doentio e roupas esfarrapadas que trazia à cabeça um chapéu desceu da pequena canoa que lhe servira como transporte para deslocar-se até ali. Largou o desgastado remo na areia e amarrou a pequena embarcação num ancoradouro. O lugar à que o pobre velho chegara era uma ilha, onde qualquer cidadão poderia encontrar a Lei, o rei daquela minúscula sociedade ...

Logo após embarcar na Ilha onde habitava a figura mais sagrada do reino, a quem nenhum súdito podia sequer dirigir-lhe o olhar, pois a Lei era considerado um Deus encarnado na terra para a maltrapilha massa camponesa que mourejava para assegurar ao seu soberano e à sua pomposa corte banquetes pantagruélicos, trajes feitos dos mais requintados tecidos e muitos outros privilégios, que tornavam esses homens, seres de uma categoria superior. Para aqueles pobres agricultores a Lei e a corte do Reino dos Papéis deviam ter um sangue diferenciado e por isso mereciam tão faustosa distinção...

O reles agricultor que embarcara na ilha era um homem que já aparentava idade avançada, trazia no rosto uma grande cicatriz e uma grande barba que lhe reforçavam a pobreza e a velhice. Percebeu a presença de uma fila de soldados vigiando caninamente o Castelo da Corte do ilustre Reino dos Papéis, andou em direção aos valentes guerreiros do reino, quando finalmente aproximou-se deles, dirigiu àquele que parecia ser o oficial, pois trazia no uniforme uma insígnia que o diferenciava dos demais:

- Trago em minhas mãos, honrado guerreiro, um papel que me autoriza a falar diretamente com a Lei, pois como podes ver, tenho inúmeros invernos trabalhados para Sua Majestade e venho pedir humildemente que me conceda descanso.

O austero oficial de feição impassível pegou o documento trazido pelo agricultor e lançou-lhe um olhar rápido, sem demonstrar grande preocupação com a estória da vida do pobre camponês. Depois de um breve sussurro com os seus subordinados disse ao simplório camponês:

- Vejo que não mentes, homem do povo e me parece mesmo que tu tens as virtudes dos homens que devem dedicar a sua vida para garantir a bonança e a fartura da corte de nosso reino, mas a Lei encontra-se ocupada com desígnios mais elevados nesse momento e não poderá atender-lhe! Tudo isso dito num tom polido e impositivo.

 - Mas dediquei toda a minha vida a plantar o trigo que alimenta a digníssima Corte de nosso reino, honroso guerreiro, dizei-me ao menos quanto tempo terei de esperar pela Lei. Interrogou servilmente o homem do povo.

O oficial já impaciente com a insistência de um reles homem do povaréu sentenciou:

- Não te posso informar quanto tempo levará, para que possas ter a tua conversa com Sua Majestade e apresentar-lhe o teu pedido!

O camponês, já ciente do atrevimento que significaria uma nova pergunta, ainda insistiu em interrogar se havia um lugar reservado para pessoas que aguardam a Lei.

O chefe dos guerreiros sem lhe dizer uma palavra apontou-lhe uma surrada cadeira. O agricultor dirigiu-se ao assento e acomodou-se para aguardar o encontro com o grande soberano do Reino dos Papéis ... 

 

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