A província dos Caranguejos


Recostava-me no desgastado sofá enquanto assistia a um desses documentários sobre música que tanto aprecio quando iniciei um nobre pensamento, que me cutucava sobre o meu desleixo com a minha homeland, a província que me gerou em suas putrefatas vísceras. Dei-me conta de que nunca tinha escrito nenhum texto sobre a inigualável província dos Caranguejos, terra que pertence a apenas dois senhores e sentencia o povo a um servilismo que já se acreditava extinto nos usos e costumes da irreprochável civilização ocidental.

Como sabeis a República dos paletós intocáveis é dividida em vinte e sete províncias, sendo a província dos Caranguejos a menor de todas, ainda lhe pesando a localização na região das facas afiadas, que segundo os tupiniquins fazedores de vinho representa o atraso e um grande entrave ao progresso de tão rica nação. Mas ponhamo-nos a falar sobre o tal pedacinho de terra, que muitos ainda confundem com a Bahia, pois no passado imperial fora parte desta.

A província dos Caranguejos nada tem de excepcional, pois sua estrutura social com eloquentes reminiscências feudais se repete em todo o resto da região das facas afiadas e a vocação de sua população para um servilismo apalermado nas entranhas do século XXI sempre se agiganta nas eleições, momento em que apenas duas famílias de notável ascendência nobre parecem concorrer aos cargos de mandachuva da terra dos caranguejos. As duas famílias repartem desavergonhadamente as moedas do tesouro, oferecendo aos súditos as migalhas dos seus pantagruélicos banquetes. Os vassalos e servos deste esdrúxulo feudo entranhado no século de Bill Gates parecem demonstrar plena satisfação com os seus senhores, pois a cada eleição dão-lhes sempre um “voto de confiança” e estes nossos barões a meio caminho estão sempre figurando  entre os caciques  e conseguem estender as benesses do poder a toda parentela , fazendo dos órgãos da administração pública meros quintais de suas propriedades , numa batalha insistente contra a chegada da civilização e das instituições democráticas.

Insatisfeitos com os bois e os mujiques, estes nossos senhores decidiram também apropriar-se de todos os jornais e meios de comunicação, nos quais são apresentados como homens de inflexíveis princípios morais recobertos desse cristianismo sinuoso da América Latina. Um destes barões é dono da maior tevê da incauta terra dos caranguejos e vez por outra aparece numa missa ou num evento da high society, repetindo quase sempre as mesmas obtusas ideias de sua curta inteligência. O outro, por sua vez, só difere na cor da pele e nas feições negroides que lhe usurpam um pouco de suas pretensões aristocráticas, correm estórias de que seu grande talento é punir os funcionários públicos com vencimentos que lhes obrigam a fazer o milagre da multiplicação dos pães que, para muitos, coubera apenas a Jesus Cristo. Não há dúvida, portanto, de que a província dos Caranguejos possui uma incorrigível vocação para a inércia no meio do tempo, permanece então a ilha feudal inexpugnável, combatendo vorazmente qualquer ameaça de progresso.

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