O funeral de João "dos Santos"

Habitara a ponte... por quase cinco anos entre costumeiras batidas policiais
Escondia as pedras da felicidade numa cova estrategicamente cavada embaixo do colchão do menino mais novo
Dedicou vinte primaveras de sua ínfima existência a catar as cinzas do consumo capitalista
Catava também esperança
Mais batidas policiais na ponte e um abrigo municipal
Outras pontes e outros abrigos municipais
Continuava catando cinzas e esperança
Mas só lhe chegavam as cinzas...
No dia 27 de março de 2008 João ... cansara da existência
Sem salvas de tiros, bandeiras tremulantes ou qualquer espécie de homenagem atiraram-lhe
Num buraco cavado entre as piadas pornográficas de coveiros
Depois taparam o buraco e fincaram-lhe uma grotesca cruz de madeira prensada achada no lixo
Bateram a terra com as pás enferrujadas
Benzeram-se
Um dos coveiros perguntara ao agente municipal o sobrenome do indigente
-Sei lá! Respondeu preguiçosa e estoicamente o maltrapilho representante municipal
Então acrescentou:- Põe aí "dos Santos"! Quase todo pobre tem esse nome!
Os coveiros acrescentaram àquele digno nome um criativo epitáfio
Deram a última pá de areia à João "dos Santos"...   

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