Um mamute na sociedade moderna

Era já homem de meia idade, meia dúzia de fios brancos atestavam sua sabedoria e poderiam contar um punhado de boas estórias..., Mas J. não fora um homem de “sucesso na vida” como se costuma dizer daqueles que conseguem seguir as carreiras onde é possível ser Doutor sem a menor necessidade de adquirir o título de Doutor nas decrépitas cátedras dos templos do saber erudito. J. fazia parte daquele grupo a que alguns chamam de “ preguiçosos”, “ “acomodados” ou em bom e claro português: “perdedores”! Nunca sentira atração pelos uniformes e anéis que distinguem os “grandes” da sociedade, os louros da vitória de uma sociedade que persegue pedaços de papel e metais a que os seres de barro atribuem valores.

Sua pose desajustada diante da fotografia do homem ocidental lhe causara angústia e desespero por muito tempo .... As engrenagens lhe induziam a seguir um caminho que ele não havia escolhido para si ...  Dedicava-se a estudos que não faziam sentido para um irreprochável idealista que sonhara em “consertar” o mundo, para ajusta-lo ao seu desajuste, tempera-lo com poesia, música e cores. No entanto, percebendo que sua quimera jamais se tornaria real, desistira.  Ia de uma forma ou de outra tentando aceitar os esguichos de sangue jorrados diariamente pela televisão, os carros que passavam altivos e rápidos enquanto segurava o passo a fim de não copiar a insanidade das latas movidas a combustão, o apreço das criaturas de argila pelo metal que reluz ... Desistira do mundo , mas nunca de si próprio , se rejeitar as regras de uma sociedade que buscava os “louros” da vitória do trabalho incansável fosse o seu trabalho de Sísifo, decidira  não perseguir a “coroa” e o “ cetro” dos vencedores!

Certa vez alguém perguntara a J. por que nunca lhe passara pela cabeça “crescer na vida” ao que ele replicou devolvendo ao seu interlocutor uma outra indagação:

-  por acaso tu achas que o teu linho e o teu pedaço de lata com rodas te fazem um homem melhor que eu?

Com certo tom de indignação o interlocutor respondeu-lhe:

- Não quis dizer isso J.! Nem te considero um homem inferior, apenas acho que ...

J. interrompeu o gaguejo do homem e sentenciou:

- Acha que eu poderia me dedicar as carreiras de ouro e assim como tu, usar roupas de linho! O ouro que eu busco, caro amigo, é bem diferente daquilo que conquistastes com teus caros dicionários de latim!

Depois da resposta serena de J. seu interlocutor calou-se e riu-se alinhando ligeiramente a gravata e os cabelos ...    



     

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