O índio e o português
O fidalgo empunhava sua espada maculada de sangue e
preparava o último golpe contra àquele “selvagem”, que não conhecera as
palavras do Cristo, e que devia ser dizimado mesmo por essa razão ... Não era cristão,
não se trajava com tecidos, não acumulava riquezas, não se preocupava com o
fardo do trabalho de construir impérios! Não podem ser civilizados! Quando ia
cravar a espada no peito daquele “bárbaro”, percebeu que ele tinha cabelos,
olhos, nariz, orelhas e nada lhe desonrava o nome “homo sapiens”, então
desarmou-se e observando que o outro ainda estava vivo, decidira perguntar-lhe
o que ele pensava dos homens brancos e de suas grandes civilizações.
O nativo das américas com alguma dificuldade, pois o sangue
jorrava-lhe do ombro esquerdo respondeu-lhe:
- tu, homem branco,
já notaste que nossas casas são simples e que ouro e prata não temos,
cultivamos apenas o necessário para nosso povo e isso nos basta. Tu me
perguntaste o que acho dos teus impérios, pois vou responder a tua questão: o
trabalho nunca foi um fardo para nós, fazemos o suficiente para vivermos, não
consigo enxergar grande mérito nos teus impérios, homem branco! O açúcar e o
café foram manchados com o nosso sangue, mas teus livros não falam disso! Falam
de empreendimentos econômicos que viram auge e decadência! E quanto ao nosso
povo, expulso de uma terra que nós habitávamos em nome do “ ouro branco” cuja
doçura que lhe é tão declamada, para nós amarga como fel! Construístes teu
império aqui nesta terra nos empurrando para o interior como se fôssemos feras
irracionais. Eis o que penso do teu império, homem branco.
O nobre lusitano, desconcertado com o discurso do indígena
agonizante percebeu a dignidade de seu olhar, que se matinha fixo nos olhos do
homem que preparava para matar-lhe e jogou a espada no chão, não suportara a
irracionalidade do teu império e todo o sangue que lhe manchava o brasão e a
cruz. Pondo as mãos na cabeça num ato de desespero, ajoelhou-se e pôs-se numa
reza infatigável com palavras inflamadas, em poucos instantes despiu-se da armadura,
rasgara as vestimentas que o civilizavam e agora encontrava-se nu como o índio.
Pensara em todos os “ selvagens” que já havia matado na
América e disparou um grito ... Agora tremia e olhava aquele cadáver, que há
poucos instantes não tivera na conta de homem e que lhe havia respondido com
dignidade um pensamento que lhe parecia não ter resposta...
Agora exclamava à beira de um colapso de nervos:
- Matei um homem!
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