Carta ao rei

 Dirijo a vossa majestade uma carta , não de um súdito para o rei , mas de um cidadão para a república. Eu , João dos Santos também conhecido como "João Ninguém", exijo ser tratado pelo estado como um individuo e não como uma sequência de números aleatoriamente impressa num cartão chamado CPF . Trabalhei como pescador durante toda a minha vida , pagando todos os tributos , impostos e taxas inventados por este decrépita república , que certamente nunca foram usados para o povo da república dos paletós intocáveis . Peço ao rei que respeite os direitos deste homem , que hoje vive sem aposentadoria ou qualquer renda ... Empurraram-me uma quantidade de papeis Kafkiana , que mal consigo entender pois não sou homem letrado , e nunca me deram uma explicação lógica sobre coisa alguma nas repartições a que fui encaminhado ... A única coisa que consigo entender é a sentença perturbadora impressa no rodapé dos documentos: "indeferido". Embora o estado insista em me chamar de cidadão   detentor de direitos , sempre fui tratado como um servo medieval amarrado a várias obrigações com o seu senhor. Devo dizer despudoradamente a vossa majestade que desconheço o que seja democracia , ainda que os "corvos" de terno e gravata que fazem parte de sua corte e elaborem as leis dessa desastrosa nação afirmem repetidamente que somos guiados pelas mais avançadas instituições democráticas... Essa crença democrática deixo para os asnos , que são um pouco menos inteligentes do que eu , simplório homem das redes e das jangadas. Nesta carta também tomo o grande atrevimento de requerer dignidade , que não significa o direito de eleger toda sorte bandidos e crápulas a cada dois anos , acredite vossa majestade dignidade é muito mais que isso ! Nunca fui aos templos do saber , local onde se fabricam os nossos escribas e doutores , pois sempre tive certeza de que me bastava entender aquilo que é necessário para conviver em harmonia com a humanidade , nada mais ,nada menos que isso... Nunca precisei buscar respostas incompreensíveis nas infertilidade filosófica dos escribas ocidentais , nas páginas incompreensíveis e ocas de seus pergaminhos ... Apesar  do meu pouco ou nenhum entendimento das leis desta nação , sei que tenho o direito de não ser tratado como um cão e que não mereço padecer de fome ... Também sei que nosso país possui recursos suficientes para que absolutamente ninguém tenha que viver na rua , como algo invisível , que nós fechamos os olhos e fingimos não ver ... Não quero por meio desta carta pedir nada a vossa majestade, pois nunca ouvi falar que os direitos foram criados para serem dados por um ato de benevolência do rei ou de qualquer corvo de sua imaculada corte , apenas exijo o respeito e cumprimento desses direitos pelo estado . Ao contrário dos nossos ilustres legisladores que escrevem nossas leis com canetas importadas , resolvi escrever a carta com lápis e um pedaço de papel vagabundos encontrados na mesa do quarto. Com a pouca habilidade que tenho com as palavras é quase uma obra divina eu ter chegado até aqui , para não entediar nosso grande soberano com meu pobre vocabulário de pescador , quero dizer que com 200 réis e sem politicas decentes e civilizadas de educação , saúde , previdência social e outras não há saída deste poço sem fundo , deste cenário dantesco , desta canalhice absoluta cujo nome oficial é república dos paletós intocáveis. Vida longa ao rei!!!!

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